O PERFEITO IDIOTA BRASILEIRO!
Ele fura fila. Ele estaciona
atravessado. Acha que pertence a uma casta privilegiada. Anda de metrô – mas só
no exterior.
Conheça o PIB (Perfeito Idiota
Brasileiro). E entenda como ele mantém puxado o freio de mão do nosso país.
Ele não faz trabalhos domésticos.
Não tem gosto nem respeito por trabalhos manuais. Se puder, atrapalha o
trabalho de quem pega no pesado. Trata-se de uma tradição lusitana, ibérica,
que vem sendo reproduzida aqui na colônia desde os tempos em que os negros
carregavam em barris, nas costas, a toilete dos seus proprietários, e eram
chamados de “tigres” – porque os excrementos lhes caíam sobre as costas,
formando listras. O Perfeito Idiota Brasileiro, ou PIB, também não ajuda em
casa por influência da mamãe, que nunca deixou que ele participasse das tarefas
– nem mesmo por ou tirar uma mesa, nem mesmo arrumar a própria cama. Ele atira
suas coisas pela casa, no chão, em qualquer lugar, e as deixa lá, pelo caminho.
Não é com ele. Ele foi criado irresponsável e inconsequente. É o tipo de cara
que pede um copo d’água deitado no sofá. E não faz nenhuma questão de mudar. O
PIB é um especialista em não fazer, em fazer de conta, em empurrar com a
barriga, em se fazer de morto. Ele sabe que alguém fará por ele. Então ele se
desenvolveu um sujeito preguiçoso. Folgado. Que se escora nos outros, não
reconhece obrigações e que adora levar vantagem. Esse é o seu esporte predileto
– transformar quem o cerca em seus otários particulares.
O tempo do Perfeito Idiota
Brasileiro vale mais que o das demais pessoas. É a mãe que fura a fila de
carros no colégio dos filhos. É a moça que estaciona em vaga para deficientes
ou para idosos no shopping. É o casal que atrasa uma hora num jantar com os amigos.
A lei e as regras só valem para os outros. O PIB não aceita restrições. Para
ele, só privilégios e prerrogativas. Um direito divino – porque ele é melhor
que todos os outros. É um adepto do vale tudo social, do cada um por si e do
seja o que Deus quiser. Só tem olhos para o próprio umbigo e os únicos
interesses válidos são os seus.
O PIB é o parâmetro de tudo.
Quanto mais alguém for diferente dele, mais errado esse alguém estará. Ele tem
preconceito contra pretos, pardos, pobres, nordestinos, baixos, gordos, gente
do interior, gente que mora longe. E ele é sexista para caramba. Mesma lógica:
quem não é da sua tribo, do seu quintal, é torto. E às vezes até quem é da
tribo entra na moenda dos seus pré-julgamentos e da sua maledicência. A
discriminação também é um jeito de você se tornar externo, e oposto, a um
padrão que reconhece em si, mas de que não gosta. É quando o narigudo se
insurge contra narizes grandes. O PIB adora isso.
O PIB anda de metrô. Em Paris. Ou
em Manhattan. Até em Buenos Aires ele encara. Aqui, nem a pau. Melhor uma hora
de trânsito e R$ 25 de estacionamento do que 15 minutos com a galera no vagão.
É que o Perfeito Idiota tem um medo bizarro de parecer pobre. E o modo mais
direto de não parecer pobre é evitar ambientes em que ele possa ser confundido
com um despossuído qualquer. Daí a fobia do PIB por qualquer forma de
transporte coletivo.
Outro modo de nunca parecer pobre
é pagar caro. O PIB adora pagar caro. Faz questão. Não apenas porque, para ele,
caro é sinônimo de bom. Mas, principalmente, porque caro é sinônimo de “cheguei
lá” e “eu posso”. O sujeito acha que reclamar dos preços, ou discuti-los, ou
pechinchar, ou buscar ofertas, é coisa de pobre. E exibe marcas como
penduricalhos numa árvore de natal. É assim que se mostra para os outros. Se
pudesse, deixaria as etiquetas presas ao que veste e carrega. O PIB compra para
se afirmar. Essa é a sua religião. E ele não se importa em ficar no vermelho –
preocupação com ter as contas em dia, afinal é coisa de pobre.
O PIB é cleptomaníaco. Sua
obsessão por ter, e sua mania de locupletação material, lhe fazem roubar roupão
de hotel e garrafinha de bebida do avião e amostra grátis de perfume em loja de
departamento. Ele pega qualquer produto que esteja sendo ofertado numa
degustação no supermercado. Mesmo que não goste daquilo. O PIB gosta de pagar
caro, mas ama uma boca-livre.
E o PIB detesta ler. Então este
texto é inútil, já que dificilmente chegará às mãos de um Perfeito Idiota
Brasileiro legítimo, certo? Errado. Qualquer um de nós corre o risco de se
comportar assim. O Perfeito Idiota é muito mais um software do que um hardware,
muito mais um sistema ético do que um determinado grupo de pessoas.
Um sistema ético que,
infelizmente, virou a cara do Brasil. Ele está na atitude da magistrada que
bloqueou, no bairro do Humaitá, no Rio, um trecho de calçada em frente à sua
casa, para poder manobrar o carro. Ele está no uso descarado dos acostamentos
nas estradas. E está, principalmente, na luz amarela do semáforo. No Brasil,
ela é um sinal para avançar, que ainda dá tempo – enquanto no Japão, por
exemplo, é um sinal para parar, que não dá mais tempo. Nada traduz melhor nossa
sanha por avançar sobre o outro, sobre o espaço do outro, sobre o tempo do
outro. Parar no amarelo significaria oferecer a sua contribuição individual em
nome da coletividade. E isso o PIB prefere morrer antes de fazer.
Na verdade, basta um teste
simples para identificar outras atitudes que definem o PIB: liste as coisas que
você teria que fazer se saísse do Brasil hoje para morar em Berlim ou em
Toronto ou em Sidney. Lavar a própria roupa, arrumar a própria casa. Usar o
transporte público. Respeitar a faixa de pedestres, tanto a pé quanto atrás de
um volante. Esperar a sua vez. Compreender que as leis são feitas para todos,
inclusive para você. Aceitar que todos os cidadãos têm os mesmos direitos e os
mesmo deveres – não há cidadãos de primeira classe e excluídos. Não oferecer
mimos que possam ser confundidos com propina. Não manter um caixa dois que lhe
permita burlar o fisco. Entender que a coisa pública é de todos – e não uma
terra de ninguém à sua disposição para fincar o garfo. Ser honesto, ser justo,
não atrasar mais do que gostaria que atrasassem com você. Se algum desses
códigos sociais lhe parecer alienígena em algum momento, cuidado: você pode
estar contaminado pelo vírus do PIB. Reaja, porque enquanto não erradicarmos
esse mal nunca vamos ser uma sociedade para valer.
Do jornalista, Adriano Silva.
Fonte: Revista SUPERINTERESSANTE
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